Estudiosos apontam confusão entre pejotização e terceirização no entendimento firmado no STF
- Página atualizada em 24/04/2024
Ao fixar seu entendimento sobre a pejotização, o Supremo Tribunal Federal (STF) cometeu um equívoco de base conceitual envolvendo terceirização e pejotização. A afirmação foi consenso entre magistrados e advogados participantes do painel sobre o tema, na manhã da sexta-feira (19/4), durante o II Seminário de Direito Material e Processual do Trabalho do Cariri, promovido pela Escola Judicial do TRT-CE.
A professora-doutora e advogada Vólia Bomfim destacou que os parâmetros fixados pelo STF para validar a pejotização (contratação de trabalhador por meio da imposição de abertura de pessoa jurídica) conseguem ser ainda piores do que os estabelecidos no artigo 444, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para definir trabalhador hipersuficiente (ter diploma de nível superior e salário mensal igual ou superior ao dobro do teto do Regime Geral de Previdência Social-RGPS), pois o Supremo, segundo ela, entende bastar que se trate de trabalhador esclarecido, presumindo-o hipersuficiente mesmo que sua remuneração seja inferior ao simples teto do RGPS.
A tese fixada no Tema 725, pelo STF, diz que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Vólia Bomfim acrescentou que, apesar das inúmeras reclamações constitucionais “que destroem a doutrina trabalhista, ainda não foram revogados os artigos 2º, 3º e 9º da CLT” (que definem empregador e empregado e tratam da tentativa de fraude à CLT). Ela frisou que, “cada vez mais, as reclamações constitucionais, que deveriam ter caráter excepcional, são utilizadas em relação a profissionais a que nem se aplicam e resolvidas em decisões monocráticas, sem que o autor da reclamação trabalhista seja comumente chamado a se manifestar, se seus patronos não tiverem sido informados”, disse.
O desembargador do TRT-6 (PE) Eduardo Pugliesi citou que, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Direito) de São Paulo, 64% das reclamações constitucionais sobre terceirização e pejotização foram acolhidas pelo STF, afastando vínculos empregatícios reconhecidos pela Justiça do Trabalho. Ele frisou que a reclamação constitucional serve para garantir a integridade do entendimento do Supremo, mas não como sucedâneo recursal quando há apenas uma sentença. “Assim, deixam de existir desembargador e ministro hoje na Justiça do Trabalho e, amanhã, pode ser na área civil. Temos de respeitar o sistema de precedentes, mas também defender a independência da magistratura”, alertou.
O advogado e professor-doutor Ricardo Guimarães frisou que não é função do STF dizer, em reclamação constitucional, qual inciso da Constituição deve prevalecer em abstrato. “Dentro de um processo do trabalho, pode a intimidade prevalecer sobre a segurança e, em outro, o inverso. A proporcionalidade só se aplica a caso concreto”, disse. Ele afirmou que, por conta de uma escolha equivocada, reclamações para reconhecimento de vínculo de diversas categorias podem ser esvaziadas. “Essa é uma questão sobre a qual a advocacia deve se posicionar. Isso tem de mudar. Não podemos ter temor num Estado Democrático de Direito”, frisou.
O presidente da mesa, o corregedor do TRT-CE, desembargador Clóvis Valença Alves Filho, frisou que a Justiça do Trabalho vive momento delicado e preocupante. “Temos de mostrar para que existimos e lutar por nossas competências de cabeça erguida”, defendeu.
Completou a mesa como mediadora, Bethsaida de Sá Barreto, coordenadora do curso de Direito da Universidade Regional do Cariri - Urca.